II - Das paixões que vemos por aí

26 de fevereiro de 2010


Foto: Robert Doisneau

Ela descia pela Augusta, carregada de sacolas. Fez compras e mais compras nas galerias da mais charmosa rua paulistana. Andava despreocupada e sorridente afinal, que mulher não gosta de comprar coisas que a deixe mais bonita?

Ele estava correndo, preocupado com uma entrevista de trabalho. Corria como todo bom paulistano, ele subia a Augusta.

Foi quando esbarraram. Na pressa, ele derrubou todas as sacolas da moça. E por isso eles se olharam. Paixão fulminante.

Ele mal conteve o sorriso e não pôde fazer diferente, teve de ajudá-la. E fez isso com muito prazer, pedindo mil desculpas. Esqueceu da entrevista, da pressa, do que ia fazer. Ela sorriu de volta, os olhinhos brilhavam. Achou engraçado o jeito desengonçado do moço. Nem se incomodou de ter suas compras Augusta abaixo.

O cara era esperto. Trocaram telefone. Do encontrão surgiu um encontro.
Ele ligou, chamou-a para uma matinê. Ela aceitou. A tarde era de garoa. Ela foi com um vestido tomara-que-caia preto com bolinhas brancas, comprado na Galeria Ouro Fino. O coração estava acelerado. Saíram depois disso quase todos os dias.

Começaram a namorar.

O namoro virou casamento. Casaram na Igreja Nossa Senhora de Fátima, no Alto do Sumaré. Ele, paulistano da Mocca. Ela, paulista de Presidente Prudente. São casados há 28 anos. Moram em uma casa bem grande no Alto da Boa Vista e têm três filhos. Ele trabalha até hoje no escritório em que foi fazer a entrevista. Costuma chamar a esposa de “estrela da sorte”. Ainda são apaixonados e têm aqueles mesmos olhinhos brilhantes.

Casar a partir de um esbarrão? Só em conto de fadas? Nada disso, história real. Foi uma das filhas do casal quem me contou este romance digno da cidade do impossível.

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Pocket-balada

21 de fevereiro de 2010


Como descrever a última sexta-feira? Paulistana ao extremo! Impossível não gostar, foi um mix de sensações diferentes.

Um dia de muito trabalho como costumo ter nas sextas-feiras. Saí depois das 20h. Meio adoentada, achei que ia ficar em casa. Mas tomei coragem e fui parar no sambódromo, tinha um convite para entrar em um camarote, só um, tudo programado para ter uma noite do tipo bloco moi avec moi-même.

Desci na estação Tietê e depois peguei a ponte-orca. Sentei ao lado da Vanessa (uma simpática mulher gorda que vende coxinhas no centro da cidade e não perde o desfile paulistano por nada). Ela puxou conversa, perguntou se eu tinha convite para entrar e depois me contou indignada que uma vez comprou ingresso de um cambista, o ingresso era falso (jura?) e a coitada teve de comprar outro ingresso. No final da história ela ficou sem dinheiro para comer uma noite de carnaval inteira.

Chegamos nos portões do sambódromo. Coloquei a camiseta do camarote e fui andando. O tal do camarote dava direito a customização de camisetas, pista de dança, comidas variadas, bebida à vontade (lembrei da pobre Vanessa). Tinha ainda ilha de massagem, cabeleireiro, e claro, uma vista para o Anhembi e o desfile das escolas campeãs.

Passei boa parte da noite sozinha, sambando a la paulista, entendendo meus sentimentos confusos, tentando me encontrar nesta cidade louca. Foi aí que me lembrei de dois bons amigos que com certeza estariam na balada e mudei de planos – da Sapucaí paulistana para a Augusta brasiliense.

O itinerário deles era o “Estadão”. Pensei, ué, mas o jornal não fica no Limão? Esse povo vai dar plantão? Dei boas risadas quando descobri que os meninos iam para o bar Estadão, que tem um dos mais tradicionais lanches de pernil da cidade(preciso comentar que paulista não sabe que existem outros lanches além de sanduiches...) e uma coxinha famosa (lembrei da Vanessa de novo).

Encontrei com eles no meio do caminho, na altura da Gomide. Dois brasilienses, uma carioca, dois gaúchos e um paulistano nato, nosso guia de noitada. Um pouco depois disso o paulista indica um boteco bem pé sujo pra gente entrar e... PLIM! De repente, vira uma balada! Do nada! Quero dizer, você entra, fica desconfiado que é um prostíbulo (afinal, estamos na Augusta de madrugada), dá mais um passo e pronto, tem uma galera dançando música eletrônica. Um dos meninos definiu o espaço (0800) como uma espécie de pocket-balada, ou seja, cabe no bolso e é divertida.

Já na lanchonete, os meninos comeram a tal da coxinha e o sanduíche de pernil. Ficamos falando de nossa vida semi-paulistana e a noite terminou ao descermos uma escadinha embaixo do Diário de S. Paulo. Era uma balada trash, ou melhor, underground, com luz negra, um povo com cara de doidão e um reggae muito ruinzinho. Diz o paulistano que lá estava miadinho. Miado ou não, resolvemos sair e esperar o metrô abrir, afinal faltava dez minutos para isso. Ainda conversamos mais meia hora sobre a campus party e uma cidadela no interior de Minas que só começou a ter eletricidade em 2009, praticamente o negativo de São Paulo...

Depois enfrentamos um metrô lotado de trabalhadores. É incrível o choque diário de realidade que existe por aqui, basta querer ver. 5 da manhã e as pessoas lotam metrôs para trabalhar em pleno sábado. A cidade não para mesmo.

Tudo aqui pulsa rapidamente e eu posso dizer que tive uma das noites mais paulistanas da minha vida. Uma noite dessas é praticamente impossível de se repetir.

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I - Das paixões que vemos por aí

18 de fevereiro de 2010



Carta a um marinheiro sul-africano

Israel, 11 de janeiro de 1988

Ouvi dizer certa vez que até para chupar um picolé é preciso ter paixão. Hoje chupei um picolé em sua homenagem. Não sei quem você realmente é. Só sei, e isso me basta no momento, que meu pensamento me perturba, insiste a minha mente em pensar em você.

Eu penso em meu pensamento que eu mesma pare (por favor!) de pensar em você, o que já é em sim um pensamento em você. Fico nesse vício de pensar em não pensar. É sufocante e de nada adianta e, o pior de tudo, não me liberta do que penso.

Mas não é a paixão um sentimento? E sentimento e razão, não são antagônicos? Não, não podem ser, por que eu, racionalmente falando, não consigo tirar você da minha cabeça. Talvez, se eu parasse de pensar, talvez assim, quem sabe, você saísse da minha mente.

Mas é possível se apaixonar e não pensar? Faço paródia a um poeta brasileiro e penso: o que pode um ser apaixonado senão, durante a paixão, pensar?

Saia do meu pensamento. Você e seus olhinhos infantis. Você e seu jeito burro e covarde que eu desprezo. Xô, pensamento tolo, sai dessa mente que não lhe pertence.

Que posso eu fazer se você, estupidez em pessoa, não tem o mínimo de dignidade? E que dignidade tenho eu em lhe escrever esta carta? Ou em me apaixonar por você?
Pois muito que bem. Não sai? Desgraça. Fico pensando feito idiota, até o pensamento se esvair por conta própria. Vou parar de lutar contra o que não adianta.

Detesto esse pensamento cretino que não me leva a lugar algum e, definitivamente, detesto pensar em você. Deve ter um jeito de esquecer você. Escrevo esta carta na tentativa frustrada de tirar da minha mente e passar para o papel esse sentimento tolo. E também porque quero que você saiba o que sinto, tenho a vã esperança de você ter coragem de ler estas letras dramáticas.

Vai embora e leva o picolé com você, porque picolé engorda. E pare de me atormentar em pensamento.

Ilana

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Muro de Berlim paulista

11 de fevereiro de 2010


O namorado de um amigo meu disse ao me conhecer que me achou muito legal, mas observou que eu era meio sozinha. Completou dizendo que, não só eu, mas as mulheres em São Paulo são muito solitárias.

Solidão paulistana. Para mim, como diz a música do Skank, “A solidão é uma velha amiga”. Mas e para as outras pessoas? Será que é verdade? Será que em São Paulo as mulheres são mesmo muito sozinhas? E se são, por que isso acontece?

Eu, particularmente, acho que momentos sozinhos não precisam ser (nem de longe) momentos ruins. Estar sozinha é também uma oportunidade de se dedicar a si. Mas de fato é comum ver em SP não só mulheres, mas pessoas muito solitárias. Mesmo as que são daqui e têm família, amigos, vida social. Conheço dois bons exemplos.

Uma é mulher, pouco mais de 20 anos, linda, inteligente, com uma carreira promissora na televisão. Uma mulher alegre, cheia de vida, com mente aberta, pai e mãe que moram aqui, irmão na cidade, vários e diferentes amigos, uma pessoa bem popular. Mas alguma coisa no olhar dela denuncia, ela está sozinha. Sozinha, no caso dela, não é sinônimo de tristeza, que fique claro. Está sozinha por opção, imagino.

O outro exemplo, este sim tem tristeza no olhar, é de um homem. Por volta dos seus 30 anos, ele tem tudo o que um homem precisa: é bonito, inteligente, culto, solteiro, com um bom emprego, tem tempo para fazer o que gosta, mora com a mãe, tem dois sobrinhos fofos e, no entanto, uns olhos tão tristes e solitários que incomodam. Tem poucos amigos, não é muito de sorrir, tem um ar sorumbático. E ele se esforça muito para fingir que isso não o incomoda. Ao mesmo tempo, faz um esforço grande para ficar sozinho, evita se envolver além da superficialidade, o que é ainda mais estranho.

Será que o paulistano médio prefere a solidão? Aqui é fácil fazer amigos, mas algumas amizades parecem mesmo superficiais. Parece que a cidade transpira a superficialidade. É como se as pessoas preferissem não se aprofundar. Será medo de sofrer, já que muitas pessoas só estão por aqui de passagem? Ou será que é costume da região? Será que se aprofundar dá trabalho e exige dedicação e isso não combina com uma cidade tão apressada? Ou a solidão é reflexo de cidade grande e atinge todas as metrópoles do século XXI?

Que as pessoas são sozinhas por aqui, não resta dúvida. Elas refletem essa solidão no jeito de andar, de falar, de se relacionar. Como isso é possível em uma megalópole com 11 milhões de habitantes, não sei dizer. Aposto no medo e na superficialidade. Medo de se envolver e sofrer com isso. Parte daí a superficialidade das relações.

Aos que passam por aqui ou aos residentes incomodados, resta entender, aceitar, quem sabe até, adaptar-se ao muro invisível. Ou aos mais otimistas (incluo-me neste grupo), a solução é romper a barreira que segrega os paulistanos, em uma espécie de muro de Berlim sentimental.

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A prova dos nove

9 de fevereiro de 2010




Ao conversar com um amigo sobre “Nine” (2009) de Robert Marshall, ele disse: “Fazer uma releitura do clássico ”“ (1963) de Fellini é como querer repintar um Monet. Nunca vai ser bom como o original”. Contra-argumentei que as pessoas fazem versões de obras-primas para homenagear seus ídolos.

Essa era a ideia de Marshall, diretor consagrado pelo musical “Chicago” (2002). Com Nine, ele tenta prestar uma homenagem a Fellini. Mas fracassa. A adaptação cansa. As músicas e as performances são fracas. O excelente Daniel Day-Lewis, ator de obras como “Meu pé esquerdo” (1989) e “Sangue Negro”(2007) está perdido em Nine, aliás, como seu personagem Guido Contini.

A história se passa na Itália de meados do século XX. Guido é um cineasta (o longa é todo feito em meta-linguagem) em crise existencial. Um homem que se define como alguém com a mente de 10 anos em um corpo de 50, que não consegue um roteiro para o próximo filme e entra em depressão.

Luisa Contini (Marion Cotillard) é a esposa traída do diretor. Marion é uma das poucas atrizes com boas interpretações no longa-metragem. Reconhecida pela atuação de “Piaf – um hino de amor”, ela empresta seu charme ao musical de Marshall e mostra que mesmo quando uma adaptação se perde, é possível brilhar.

Já Penélope Cruz, a amante Carla, tem o corpo bem mais em evidencia que seu talento. Uma personagem que aceita humilhações por amor. A cena do marido de Carla é deprimente, e é talvez uma das poucas cenas que incomoda quando deve incomodar.

Sophia Loren interpreta a mãe de Contini bambino, mas não parece mãe de Day-Lewis, aliás, Sophia Loren só parece com ela mesma e mais ninguém. Guido parece um menino chorão, embora tenha barba na cara, uma carreira promissora, beldades que caem aos seus pés, uma mulher dedicada e amigos fiéis. Nem o papa salva o italiano do desespero.

O mérito da filmagem vai para a fotografia e figurino (este indicado ao Oscar 2010), ambos criam o clima de um cineasta mulherengo cercado de corpetes, cigarros e repórteres. Não dá para falar de um musical sem considerar a trilha sonora (diga-se de passagem muito aquém de “Chicago”). Os pontos altos da trilha são: a interpretação da cantora Fergie, do Black Eyed Peas, em “Be Italian” e o desempenho de Judi Dench que nos remete ao glamour das vedetes francesas com o número do “Folies Bergére”. Nicole Kidman, a musa Cláudia do diretor, mostra que continua afinada com em "Moulin Rouge" na canção “Unusual Way”, mas é praticamente apagada no filme.

O melhor do filme? Com certeza o Karmann-Ghia azul claro conversível de Guido. Uma graça à parte do cansativo musical.

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